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O jogo espontâneo na psicomotricidade

Por Bianca Martins Rocha Lima


Brincar significa vinculum no latim, é gerador de laços, de vínculos comunicativos entre os brincantes e o meio (Ferreira, 2004). Constitui-se em uma atividade fundamental na estruturação psicomotora, emocional e social da criança, o que favorece a organização da sua corporeidade. Quando brinca, a criança subjetiva seus desejos, explora o processo comunicativo e o funcionamento do seu corpo (Jardim, 2004). Por sua vez, o “jogo” relaciona-se com o movimento e a ação. Segundo Soledade, 1996, o brincar e o jogar fazem parte de uma mesma estrutura ou se estruturam da mesma forma. Será através do brincar que a criança perceberá o mundo a sua volta, se apropriará da sua cultura, expressará seus desejos, criará laços, aumentando seu núcleo social. O ato de brincar possui uma dependência das funções instrumentais e da relação com o Outro primordial e está intimamente relacionado ao prazer da ação, do movimento, das funções de representação, sendo através dele, que a criança dá corpo às antecipações, se diverte, extravasa a sua imaginação, adquire novas experiências e avança em seu processo de aprendizado (Ferreira, 2004; Soledade, 1996).


Ao longo do tempo, o entendimento sobre o processo de aprendizado da criança sofreu mudanças, com ao avançar dos estudos sobre a infância, deixando clara a importância dos cuidados e atenção direcionados ao público infantil. Isto facilitou para que a criança passasse a ser vista com direitos ao prazer e a novas experiências, principalmente através do direito a brincar. Quanto mais se entende que a mesma se encontra em processo de formação e desenvolvimento e que a prática do brincar facilita para novas experiências e aprendizados, mais entendimento se tem sobre o valor do brincar, no processo do desenvolvimento cognitivo, emocional e no que tange aos ganhos alcançados na percepção do corpo, na relação consigo mesma, com os objetos, espaços e pessoas, que compõem seu núcleo social (Brock,2011).

Importante pautar, que neste universo infantil, também há crianças com dificuldade em desenvolver o seu brincar, o que pode ser um indicativo da necessidade de encaminhamento para um trabalho psicomotor. Sintomas diferentes podem ser evidenciados, acarretando na criança dificuldades diversas durante o seu brincar, e consequentemente na melhor forma de experimenta-lo e de se relacionar, sendo estas situações pertinentes de intervenções em sessões de psicomotricidade (Cabral, 2019).

O termo psicomotricidade, aparece no final do século XIX, época em que evidenciavam os questionamentos sobre os distúrbios gestuais e práxicos, que não necessariamente estivessem correlacionados a uma lesão cerebral específica ou localização específica. Estes eram manifestos por diferentes distúrbios presentes no corpo, mas que não se referiam ao aparelho orgânico (Levin, 2011; Soledade, 1996). Historicamente a psicomotricidade ocupou-se da motricidade, dos aspectos cognitivos, emocionais e instrumentais da criança. Somente posteriormente e através dos efeitos gerados pela inclusão da psicanálise na prática psicomotora, é que passa a surgir na psicomotricidade, a inclusão do reconhecimento da relação transferencial estabelecida como uma questão fundamental no tratamento (Levin, 2011).

O nome psicomotricidade, evidencia o entrelaçamento do psiquismo e o movimento de um sujeito. Assim, a terapia psicomotora a partir de uma demanda transferencial, ocupa-se do corpo, da motricidade, do fazer do sujeito a partir do seu desejo, que dar-se a ver e evidencia a necessidade da escuta em uma estrutura de linguagem, de modo que o psicomotricista segue receptivo à escuta, interrogando a estrutura implícita à atividade da criança ou até mesmo diante da falta de uma atividade. Neste sentido, o olhar, a escuta, a mediação do psicomotricista, direciona-se tanto aos distúrbios psicomotores provenientes de uma condição orgânica, quanto àqueles intimamente e unicamente relacionados com a fantasmática, com questões relacionadas ao mecanismo do prazer-desprazer, porém sem deixar de considerar de que no caso das crianças neurotípicas, a regulação no mecanismo prazer-desprazer também poderá estar afetada (Levin, 2011; Soledade, 1996).

As sessões de psicomotricidade acontecem pela via corporal, em um jogo, com os ajustes tônicos necessários para sustentar e estabelecer um diálogo tônico no espaço transicional potencial do brincar. Assim, o psicomotricista se ajusta corporalmente em um jogo corporal com a criança, se atentando as suas produções corporais, a sua expressividade tônico-cinética, a sua mímica, a sua postura, estabelecendo simbolicamente as transformações do sujeito. (Torres, 2019; Rennó, 2012; Levin, 2011; Anais, 2004; Camilo, 2008; Jerusalinsky,1989).

A partir dos pressupostos teóricos, o presente estudo tem a pretensão de discutir sobre o brincar e o prazer estruturante na criança, desenvolvido na terapia psicomotora, através do jogo espontâneo. Ao longo do desenvolvimento do artigo, surgem dois aspectos que foram subdivididos para facilitar a discussão: a criança e o brincar, que trata sobre a criança, o brincar e sua relação com o corpo e o outro; a psicomotricidade e o jogo espontâneo, trazendo uma discussão sobre a psicomotricidade e o jogo espontâneo durante a intervenção psicomotora.


A CRIANÇA E O BRINCAR


O olhar sobre a criança, ao longo dos anos sofreu muitas transformações. Esta, era vista como uma tábula rasa, passiva e sem qualquer autonomia (Brock, 2011), o que evidenciava um pensar limitante sobre a infância e consequentemente sobre os investimentos e experiências oferecidos a criança. Com o passar do tempo, muitas reflexões, questionamentos e estudos surgiram, de modo que a dinâmica e o cuidar prestados à criança, passaram a sofrer diversas mudanças. A percepção anterior de passividade foi dando espaço para formas de estímulos diferenciados. Algumas vezes, o inverso também ocorreu, sobrecarregando-a com muitos afazeres, nem sempre favorecedores do sentido do prazer e do enriquecimento para o seu aprendizado, por terem um cunho diretivo, em um fazer pré-determinado pelo outro, sem espaço para que a criança pudesse expressar seus desejos e desenvolver seus potenciais (Brock, 2011).


Ao longo do tempo, os contínuos estudos sobre a infância fizeram com que a criança passasse a ser vista com direitos ao prazer e a novas experiências, principalmente através do direito ao brincar. Quanto mais era entendido que a criança se encontrava em processo de formação e que a prática do brincar facilita a novas experiências e aprendizados, mais claro ficava o valor sobre o brincar, no processo do desenvolvimento: cognitivo, emocional e no que tange a percepção do corpo na relação consigo mesma, com os objetos, espaços e pessoas, que compõem seu núcleo social (Ferreira, 2020; Brock,2011).


O brincar é o necessário “trabalho” da criança, sendo a partir desta prática que a criança expressará seu mundo interno (Carné, 2004). Desde muito cedo, o bebê brinca com o seu corpo e com o corpo de sua mãe, dando corpo a suas antecipações, em um jogo sensório-motor. A mãe por sua vez, ao exercer sua função materna, favorece que o seu bebê ocupe um lugar, valorizando a sua singularidade, investindo e imprimindo no corpo do mesmo, marcas significativas, por meio dos gestuais, do tônus, das palavras ditas, em uma dinâmica e atualização contínuas, no transcurso do desenvolvimento do seu filho. Isto sendo possível a partir da busca materna em decodificar os diferentes estados emanados pelo seu bebê, recheada de afeto e em uma preocupação constante em acolhê-lo e suprir suas necessidades (Lima, 2020; Carné, 2004; Soledade, 1996).


Ao buscar decodificar o seu bebê e valorizar a sua singularidade, abre-se espaço para que ele possa expressar suas necessidades, satisfações, sentimentos, percepções sobre seu entorno, delineando seu lugar na família e de como poderá agir (Brock, 2011). Vale destacar que a qualidade do investimento feito pelos pais, também dependerá das suas histórias primárias. Se esta for privada de boa qualidade, terá o risco de gerar angústias, sendo estes representativos de sofrimento psíquico, evidenciados por meio de sintomas psicossomáticos (Carné, 2004). Todavia, é importante destacar que, mesmo diante de situações onde não haja privações, nem todas as necessidades da criança conseguirão ser supridas, o que causará angústias, e isto também exercerá influência sobre seu desenvolvimento psíquico e de suas produções fantasmáticas (Carné, 2004).


O bebê brinca, explorando seu corpo: toca, olha, produz sons, seduz, experimenta, demarcando seu espaço corporal e o avanço de suas habilidades psicomotoras. Assim, experiencia novas sensações, percepções, movimentos e descobertas. Por puro júbilo, vive o corpo, pela intenção de repetir o que lhe gera prazer, avançando em suas habilidades adquiridas, tanto através da relação com o seu próprio corpo, quanto a partir da relação com o espaço, objeto e o outro. Estas experiências serão facilitadoras da apropriação espacial, temporal e da compreensão e interiorização do seu entorno, proporcionando melhores e mais organizadas respostas nas diferentes relações (Lima, 2020; Ferreira, 2020; Aucouturier, 2016; Brock, 2011; Soledade, 1996).


É através do brincar, que a criança dá corpo às antecipações, encontra prazer, se diverte, extravasa a sua imaginação, percebe suas dificuldades, cria estratégias, se desafia, planeja, se expressa, se reinventa, elaborando sua realidade e o entendimento das regras. Constitui-se de uma experiência humana criativa na construção do eu-social, sendo, um encontro entre os aspectos subjetivos e de realidade (Jardim, 2004; Soledade, 1996). Durante o seu brincar e enquanto é estimulada, novas experiências relacionais corporais, afetivas, espaciais, temporais e imaginárias são estabelecidas, sendo estas significantes para o aprendizado da criança. Situações que envolvam medos, presença e ausência materna, a imaturidade motora e de equilíbrio, brincadeiras que envolvam construir, destruir, dentre outras, serão fundamentais para as suas ressignificações e suas representações, para se perceber e querer se desafiar, o que ajudará na relação com o outro (Carné, 2004). Todos estes aspectos a ajudará a entender e apreender a realidade externa, desenvolvendo novos aprendizados, marcando a sua inscrição enquanto sujeito no mundo, ao se reconhecer em sua unidade somatopsíquica (Carné,2004).


Em contrapartida, também existem situações em que a criança manifeste dificuldade em desenvolver o seu brincar, o que pode ser um indicativo da necessidade de encaminhamento para um trabalho psicomotor. A expressão de sintomas diversos conduzem o olhar para esta necessidade, destacando-se aqui, as situações em que surgem dificuldades de adaptação, sintomas de agressividade, isolamento, inibições psicomotoras, instabilidades, dispraxias, fixação nos objetos, dificuldade na relação com seus pares, dificuldades de entender os limites, apatias, tensões corporais, falta de expressividade corporal, falta de criatividade, dificuldade na relação parental, na escrita, na alimentação, problemas de aprendizagem, de atrasos maturativos, nas deficiências, perturbação da imagem corporal. Situações estas, facilitadoras de dificuldades diversas no seu brincar, no seu movimento, em sua postura, na linguagem, nas suas relações e que são pertinentes de intervenções em sessões de psicomotricidade. (Cabral, 2008; Soledade, 1996).


A PSICOMOTRICIDADE E O JOGO ESPONTÂNEO

Do que se trata a psicomotricidade, sua necessidade de indicação e seu manejo?


“A psicomotricidade relaciona-se a concepção de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito, cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e socialização” ( Leon e Barbosa, 2004).


Busca integrar as dimensões cognitivas, emocionais, sensório-motora, a função tônico-postural, de linguagem, do esquema corporal, da coordenação, do equilíbrio, da organização espaço-temporal, simbólicas e suas interações, que são evidenciadas pela forma de se expressar e representar em diferentes contextos. O trabalho psicomotor pode ser realizado em diferentes fases relacionadas ao desenvolvimento da criança, por entender que este corpo se constitui a partir da relação com Outro e na relação com o outro. Se preocupa pela história do sujeito, por suas produções e individualidade considerando a articulação, entre o psiquismo e o movimento na relação com o outro. Assim, dedica-se enquanto ciência, a globalidade e integralidade do corpo, envolvido no movimento (Gomez, 2020; Mila, 2019; Brito, 2004).


É da dimensão simbólica, cujo eixo central é o corpo e suas produções, e por isto, valoriza um dizer corporal pertencente a um sujeito, onde se articula a transferência. Os gestos, movimentos, tônus, o afeto a relação com os objetos, são aspectos considerados como mecanismos comunicativos nos atendimentos de psicomotricidade. Neste fazer psicomotor, valoriza-se o prazer, surgido no jogo espontâneo, em um trabalho que é da ordem corporal, no qual o psicomotricista se utilizará dos mediadores de comunicação como o olhar, a escuta, a postura, a resposta tônico-emocional, a voz, os gestos, o corpo, a relação com os objetos num espaço e tempo, por considerar estes mediadores, um meio de relação (Mila, 2019) e entender que os mesmos influenciarão na percepção da criança como sendo sujeito singular e único, esteja ela em um processo de estruturação subjetiva ou até nas situações em que a estruturação já esteja estabelecida. Nesta especificidade, o olhar sobre a criança acontece de forma global, por entender que a mesma está em processo de desenvolvimento (Gomez, 2020; Cabral, 2008; Jardim, 2004; Brito, 2004; Soledade,1996).


No jogo espontâneo, a direção terapêutica exercida pelo psicomotricista valoriza a comunicação, corporal ou verbal, através da transferência estabelecida pela via da escuta corporal, da relação e da aposta no sujeito. O psicomotricista encontra-se em uma relação transferencial possibilitando um saber no outro. Vale ressaltar que este profissional, também deverá estar atento ao seu próprio corpo, que também possui uma história, cujas sensações chegam e são provocadoras de respostas e de expressões diferenciadas (Rennó, 2012). Para tal, na busca do seu aprimoramento, as formações, os estudos continuados e supervisões por parte do profissional, além da sua experiência prática são extremamente necessários, estando mais preparado, sintonizado e perceptório de toda e qualquer resposta dada pela criança, inclusive aquelas quase que imperceptíveis. Trabalhar sob esta ótica, é permitir que se acentue o que há de estruturante no prazer e no desprazer ocorrido no jogo espontâneo, o que dará um sentido organizador para a criança. (Torres, 2004; Soledade, 1996).

Durante os atendimentos, cabem materiais e objetos pouco estruturados, tais como: materiais de pintura, modelagem, jogos de cartas, quebra-cabeças, almofadas, bambolês, instrumentos, cordas, tecidos, papéis, espaguetes, espelho, bolas de diferentes tamanhos e aspectos, caixas e túneis (Camilo, 2008). Estes funcionarão como meio simbólico de comunicação, possibilitando contenção, vínculo, dramatizações, o que possibilitará que a criança crie e expresse de forma prazerosa os seus desejos. Alguns materiais serão menos corporais é fato, mas também contribuidores de novas descobertas e de autonomia por parte da criança (Cabral, 2019; Lesme, 2019).

O trabalho psicomotor mediado pelo jogo espontâneo, possibilita que a criança a partir de suas representações fale de si, conte a sua história, angústias, conflitos através do seu corpo e de expressões surgidas na cena criada, todas da ordem do inconsciente e do que escapa à linguagem verbal. Esta última, se expressa e se dar a ver através do olhar, da mudança tônica, da maior ou menor ação corporal, do gesto, do seu eixo corporal, da agressividade, na colagem com o psicomotricista, no lugar físico que ocupa na sala de terapia e diante do outro, sem desconsiderar a via verbal e gráfica que também podem estar presentes (Rennó, 2012; Cabral, 2008; Godinho, 2004). Para a criança, este é um momento de pura brincadeira com o psicomotricista, cabendo ao profissional, estar atento e aberto à escuta dos diferentes estados expressivos da criança. O olhar se direciona para suas produções corporais, sua expressividade tônico-cinética, sua mímica, sua postura, em um processo que é da ordem relacional e transferencial. O psicomotricista, se utiliza da via corporal, em um jogo, ao realizar empaticamente os ajustes tônicos necessários, no intuito de sustentar e estabelecer um diálogo-tônico no espaço transicional potencial do brincar. “As mudanças de lugares acontecem”, gerando simbolicamente, as transformações do sujeito. (Torres, 2019; Rennó, 2012; Levin, 2011; Jardim, 2004; Camilo, 2008; Carné, 2004; Jerusalinsky,1989).


Nas sessões de psicomotricidade, a referida expressividade do jogo corporal, deve ser livre, receptiva, desculpabilizante, contudo com os devidos enquadres dos limites expressivos (Cabral, 2019). Busca-se que a criança possa revelar do seu inconsciente em ato, sobre o que pensa e sente, revelando seus fantasmas. Isto é possível de ser capturado pelo psicomotricista, a partir da atenção gerada às diferentes atitudes tomadas pela criança, sejam elas, através do olhar, da forma como respira, das possíveis tensões ou relaxamentos tônicos, que se revelem. Ao psicomotricista, caberá o acolhimento necessário e a tempo, diante da expressividade subjetiva da criança (Ribas, 2020; Santana, 2004; Torres, 2004). Assim, no processo terapêutico, ora estabelecerá uma relação de suporte, ora de contenção, ora de confiança (Lesme, 2019), mas sem esquecer da importância de manter vivo, o jogo de prazer alcançado pela criança ao “revelar” as suas intenções. É importante destacar a existência do desejo do psicomotricista de jogar com prazer, em prol de sustentar o fazer, a ação e o jogo, ao permitir que seu corpo esteja a serviço do outro. Ao responder de forma tônica, apreende o que simbolicamente é evidenciado, através da transferência corporal, e assim ajudará para que a criança encontre o seu lugar de sujeito no mundo (Lesme, 2019; Ferreira, 2004)


A escuta da expressividade motora e/ou simbólica da criança, que se dar a ver através da expressão tônico-emocional nas suas criações, ocorrem em meio às respostas geradas pela criança em ato, o que inclui o seu próprio silêncio no fazer corporal, durante o atendimento. Independentemente do que é capturado durante o jogo espontâneo, pelo profissional psicomotricista, o mesmo tem o papel de operar como parceiro simbólico, atuando no júbilo, na expressão, na contenção, na espera, na observação, na disponibilidade corporal e leitura de seus simbolismos. Desta forma, durante as sessões será permitida a experiência da criação e da simbolização da criança, num encontro consigo mesma e com o outro, sustentado pelo psicomotricista no espaço transicional presente no jogo. As expressões lúdicas ocorridas nas sessões de psicomotricidade ocorrerão em níveis diferenciados, não tendo um cunho mecanicista, assim é possível lançar interrogantes a respeito do que é dito no eixo familiar sobre a criança e sobre como ressignificar o lugar, da mesma, na família. (Cabral, 2019; Rennó, 2012; Brito, 2004).


Ao jogar com a criança, através da intervenção corporal e verbal, o psicomotricista proporciona um sentido, um viver corporal na ação da criança, gerando espaço e símbolos facilitadores, para a maior atenção da mesma em manter a troca e a comunicação com o psicomotricista (Cabral, 2019; Rennó, 2012). Durante as sessões de psicomotricidade e a depender do sofrimento psíquico em que a criança se encontre, será possível identificar possíveis bloqueios das representações inconscientes, que estarão presentes nos sintomas psicomotores apresentados. A criança, em suas representações, ao longo das sessões de psicomotricidade, poderá viver o corpo, a partir da exploração do espaço e dos materiais que compõem a sala de psicomotricidade. Estes por sua vez, pelas suas características não estruturadas, favorecem que a criança explore, crie, transforme, viva o corpo e seus esquemas de ação. Todo o exposto, ajudará a criança, a sentir-se compreendida, amada, segura emocionalmente e mais fortalecida, o que facilitará as relações de prazer e de maior tolerância as frustrações, ampliando seu universo simbólico, elaborando seus conflitos à nível inconsciente (Lesme, 2019; Cabral, 2019; Aucouturier, 2016; Carné, 2004).

E quanto a família, como fica? Ela participa desta relação? Sim, claro! Sempre haverá um espaço para a escuta das demandas de seus pais. Neste último caso, possibilita-se um espaço comunicativo, seja através de diferentes momentos de acolhimento e escuta à família para que eles possam elaborar as suas angústias, seja através da participação direta da família na sala de terapia, entendendo que estes não devem permanecer escanteados, sem participação ativa. O psicomotricista ajudará no que for necessário na dinâmica simbólica estabelecida com a família da criança, assim como, na escuta aos pais quando sentirem necessidade, ajudando-os nas representações que surgem nas sessões e/ou ocorrências geradas no percurso terapêutico (Cabral, 2019). Participar do jogo torna-se essencial, a fim de que seja possível oferecer, para às famílias, o asseguramento sobre suas percepções e o seu fazer em relação a sua criança e assim, ressignificar o lugar da mesma na família, gerando apostas diante dos potenciais observados, lidos e decodificados (Brito, 2004).


CONSIDERAÇÕES FINAIS


O brincar para a criança é algo natural e favorecedor de experiências diversas consigo mesma, com seu entorno e com o outro. Na terapia psicomotora, enquanto a criança “brinca” com o psicomotricista, o mesmo através das expressões lúdicas surgidas nas sessões de psicomotricidade, adotará o “lugar” daquele que sustenta o jogo, ao emprestar-se corporalmente e utilizar-se dos mediadores da comunicação presentes no jogo espontâneo.


Nas sessões de psicomotricidade, os mediadores de comunicação são um meio de relação que possibilita a criança, a partir de suas representações, revelar aspetos do seu inconsciente, falar sobre si, contar sua história e suas angústias, em uma relação da ordem corporal. Assim, o olhar, a escuta, a postura, a resposta tônico-emocional, a voz, os gestos, a relação do corpo no espaço e com os objetos, constituem-se mediadores investidos empaticamente pelo psicomotricista durante o jogo espontâneo. Os mesmos são facilitadores dos ajustes tônicos necessários no estabelecimento do espaço transicional potencial do brincar, estabelecido na sessão. Como resposta, a criança se sentirá segura, compreendida e acolhida para expressar-se tonicamente, para comunicar-se e lançar-se em desafios, todos estes aspectos assegurados pela presença do psicomotricista como seu parceiro simbólico.


Através da relação transferencial no espaço do brincar, as transformações no sujeito se processarão, conquistando novas elaborações de conflitos à nível inconsciente, o que amplia o universo simbólico, atualiza a sua fantasmática e culminando em um caminho em direção à cura.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SOBRE A AUTORA

Bianca Martins Rocha Lima Fisioterapeuta, graduada pela Ucsal. Atua em atendimentos de Psicomotricidade clínica e na área de Fisioterapia Pediátrica (intervenção precoce e afecções neurológicas). Pós-graduada em Psicomotricidade e em Pediatria pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Professora da UCSAL. Atuou como supervisora de estágio e em atendimento ambulatorial na UCSAL. Experiência em docência em cursos de Pós graduação na Atualiza, Isba, Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública da Bahia e Instituto Pessoa.. Membro da Rede-bebê Núcleo Bahia. Sócia efetiva da Associação Brasileira de Psicomotricidade-Capítulo Bahia. Contato: biancalimaba@gmail.com


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