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Resenha: Psicanálise para psicomotricistas (Uma orientação somática para a educação e a clínica)

  • Maria Luísa Inguaggiato
  • 1 de abr. de 2022
  • 6 min de leitura

Por Maria Luisa Inguaggiato


Realizar a resenha do livro de José Ángel Rodrígues Ribas foi uma tarefa prazerosa, porém desafiadora, pois é uma obra densa, com profundidade con­ceitual, difícil para abordar em poucas palavras. Entretanto, escolho alguns pontos para instigar o leitor a mergulhar na escrita do autor.


Sem duvida, este é um livro imprescindível para todos os psicomotricistas que acreditam e tomam a psicanálise como referência, como eixo teórico, para a escuta clínica e educacional. José Ángel Rodrígues Ribas propõe tanto uma sistematização de conceitos fundamentais psicanalíticos freudianos e laca­nianos, como a correlação e articulação dos mesmos à prática psicomotora, tomando como referência às obras de Lapierre e Aucouturier. Como o autor esclarece: "não existe uma psicomotricidade psicanalítica como tal: acontece que não há uma psicanálise psicomotora. De fato, essa nunca foi a nossa intenção, pois o objetivo é aplicar uma série de conceitos psicanalíticos à psicomotricidade, a fim de proporcionar uma maior autonomia, rigor e abertura clínica ao campo psicomotor".


Sua escrita nos leva a refletir o amplo leque de conceitos fundamentais para discutir, analisar e apreender questões da corporeidade referido pelo paradig­ma psicodinâmico, como forma de sustentar a intervenção psicomotora de orien­tação somática psicanalítica. Pois, como discute o autor, o psicomotricista só poderá operar na transferência se estiver no lugar do suposto-saber, ao possi­bilitar ao sujeito, o encontro de "diferentes posições subjetivas em relação ao desejo e seu gozo fantasmático".


Nos dois primeiros capítulos, o livro evidencia a compreensão da expressivi­dade psicomotora como uma "condição inconsciente e pulsional do universo psíquico dos sujeitos". O autor trata eixos fundamentais compartilhados pela psicomotricidade e pela psicanálise, propondo pontos convergentes e diver­gentes, discutindo muitas questões. Compartilho algumas proposições que me foram mais pertinentes.


Primeiramente, a impossibilidade da compreensão do sujeito na sua globali­dade, ou seja, se para a psicanálise, o sujeito do desejo se estrutura na relação em falta, como podemos então, enquanto psicomotricistas, querer entender o sujeito em sua globalidade se ele já é estruturalmente dividido pela ordem simbólica? Tomando como referência a psicanálise, haverá algo que o sujeito sempre terá como um resto impossível de acessar ou de dizer. O livro vai desenvolvendo os conceitos, de forma a instrumentalizar o leitor a com­preender melhor esta

Por outro lado, o autor não deixa de relacionar ação e linguagem, entenden­do-as como estruturas simbólicas que acolhem o sujeito em uma historia de atos e ditos. Sem deixar de lado, entretanto, o reconhecimento do valor dos afetos implicados na palavra, na gestualidade e na tonicidade e todas as reper­cussões somáticas no corpo a partir disto.


Em segundo lugar, destaco dois aspectos: a) a equiparação da atividade motora espontânea (ATM) à associação livre (recurso terapêutico psicanalítico), que o autor aponta na obra de Lapierre e Aucouturier a partir do registro ima­ginário e simbólico; b) a discussão sobre a diferenciação entre pulsão motora e modalidades fantasmáticas do gozo pulsional. Estes aspectos são importantes para pensarmos a pratica psicomotora e levantar indagações como o meca­nismo da pulsão está implicado na corporeidade do sujeito. Qual a abrangên­cia do conceito de pulsão na prática psicomotora? Considero esclarecedor o debate proposto sobre esta questão. Confira!


Com o avanço do texto nestes capítulos, José Ángel assinala pontos nodais e desencontros entre a obra de Aucouturier - Lapierre e a psicanálise. Com isso discute a importância da formação pessoal e corporal do psicomotricista, para que equívocos não sejam expostos e elementos pessoais do terapeuta não estejam implicados no tratamento.


No terceiro capítulo, o autor apresenta conceitos da teoria lacaniana, para tratar a temática da constituição da imagem e da fantasmática corporal. Com isso discorre sobre o estádio do espelho, o complexo de édipo e as duas operações de constituição do sujeito: alienação e separação. O autor considera, que a vida de cada sujeito se organiza a partir destes desfiladeiros, na medida em que estes temas são empregados a partir do tempo lógico e não do tempo cronológico.


No quarto capitulo, aprofunda conceitos fundamentais da psicanálise (como por exemplo: representação/ significante / letra/ imagem / objeto etc) como forma de situar as origens conceituais, pois estes conceitos são muitas vezes utilizados, sem saber exatamente seu lugar originário. José Ángel entende como essencial esta discussão para situar o campo psicomotor a partir de uma leitura pulsional, considerando as modalidades de gozo, justamente para que não haja a separação entre ação e universo discursivo e simbólico. Assim podemos entender que todo dispositivo psicomotor está regido pelo simbóli­co e o corpo do sujeito inscrito na letra que o representa.


Ainda neste capitulo, apresenta alguns conceitos das tópicas freudianas, arti­culando-as, em seguida, com a obra de Aucouturier e Lapierre. Com isso, evidencia a relevância destes na pratica psicomotora, buscando subsídios teóricos que possam sustentá-la e inspirar o psicomotricista no percurso de "mutação fantasmática" junto ao paciente (criança, adolescente ou adulto), acreditando que esta, só é viável, "a partir de uma retificação da posição subjetiva diante das formações inconscientes, que se manifestam na expressividade de cada sintoma". Ao esclarecer os registros do imaginário, simbólico e real em Lacan, identificando como estes registros estavam descritos na obra de Lapierre e Aucouturier, o autor discute pontos de encontro e desencontro destes termos entre a psicomotricidade e a psicanálise. Com isso, abrange termos essenciais do campo psicomotor como: relação tônico-emocional, tônico-afetiva, comu­nicação, vivência, vínculo, ressonância tônico-afetivas.


A partir disso, o autor formula uma questão que considero importante para aprofundarmos: "a pratica psicomotora visaria essencialmente fantasmatizar a pulsão, enquanto a psicanálise acentua a sintomatização do fantasma". O autor infere que o "movimento se desdobra entre a pulsionalidade, o prazer e o desejo". Esta é mais uma forma de entender que a expressividade psicomotora nos revela modalidades de gozo pulsional, sejam sintomáticos ou fantasmáticos.


O estabelecimento destes elos entre a psicanálise e a psicomotricidade, nos auxilia a pensar formas de intervenção clinica, que possibilite colocar o sujeito no caminho do reconhecimento do seu desejo. Como descreve o autor:"[...] na sala de psicomotricidade, podemos observar continuas passagens ao ato pulsion­ais. Tentar fantasmatizá-las, inscrevê-las, desviá-las para uma situação de jogo, seja sensório-motor ou outra mais expressiva, já é por si um passo em direção à sua simbolização".


No quinto capítulo, uma questão de extrema importância na clinica psicomo­tora é colocada. Gostaria de despertar a curiosidade do leitor nesta resenha, para buscar na obra, o estudo cuidadoso e ético do autor, sobre as três modalidades vinculares: transferência, empatia e ressonâncias. Com o entrelaçamento destas modalidades, o autor nos ilumina com esta articulação preciosa: "entendemos a empatia tónico-emocional como um efeito da transferên­cia sobre o Outro e da ressonância tônico-afetiva de sua fala sobre mim". Questões para pensar?!


E finalmente, no ultimo capitulo, além de continuar articulando os conceitos discutidos nos capítulos anteriores, o autor expõe reflexões sobre os traços nas estruturas psíquicas (neurose, psicose, autismo e perversão), apontando direções no tratamento psicomotor. É mais uma das articulações do autor na tentativa de integrar o campo da psicanálise freudolacaniana, à psicomotrici­dade de orientação somática psicanalítica. Ressalto aqui uma escrita do autor, que nos ilumina no caminho do tratamento na estruturação subjetiva e corporal nas psicoses: podemos pensar que o lugar do psicomotricista se detém em "[...] estabelecer as condições que permitam ao sujeito da psicose encontrar e elaborar os mecanismos de extração, suplência e enodamento - criação de um sentido - daquilo que é rejeitado no simbólico e retornou no real do corpo; acessando uma estabilização que visa o laço social".


Concluindo, espero que tenha aguçado a sua curiosidade para se debruçar sobre este livro, pois ainda há muitas questões teórico-práticas para explorar nestes campos de saberes entre a psicomotricidade e a psicanálise. Este livro nos leva a investigar e sistematizar a prática da psicomotricidade, assim como, ressalta a relevância da nossa formação corporal/pessoal: a quietude, o acolhimento tônico-afetiva, o saber-não-sabendo durante o jogo psicomotor. Com­preendo que só assim, poderemos ampliar uma escuta psicomotora do sujeito movida pela orientação somática psicanalítica. Obrigada ao José Ángel Rodrígues Ribas por compartilhar todo este conhecimento conosco!


SOBRE A AUTORA

Maria Luisa Inguaggiato Psicomotricista. Graduada em Fisioterapia pela Pontifica Universidade Catolica Campinas (1990); especialização em Psicomotricidade Relacional e Psicossomática; mestrado em Dance Movement Therapy - University Of Surrey - Roehampton (2006) revalidado pela UFBA - Departamento de Dança. Sócia Titular da Associação Brasileira de Psicomotricidade (SBP); Presidente do ABP – Capitulo Bahia. Atualmente atua como psicomotricista e terapeuta corporal na instituição LUGAR - Centro de Estudos Interdisciplinares e Atendimento Clinico. Coordenadora do curso de pós-graduação lata-senso em Psicomotricidade pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Contato: ml.inguaggiato@gmail.com

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